segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Palvra-problema e não uma palavra-solução

O Grupo de Estudos sobre a Epistemologia da Complexidade, atualmente formado por alunos dos cursos de graduação em psicologia, história, gastronomia e ciências sociais, reúne-se semanalmente as quintas-feiras - exceto a segunda quinta-feira de cada mês - das 9 às 11 horas, no Núcleo Ariano Suassuna de Estudos Brasileiros, sob a orientação da professora Maria Aparecida Lopes Nogueira.
Movida pela tensão entre "dar conta das articulações entre os campos disciplinares" (MORIN, 2011, p. 6) e do reconhecimento da incompletude de qualquer conhecimento, a complexidade revela-se como a busca de um amadurecimento do olhar científico, que almeja promover deslocamentos teóricos/epistemológicos. Neste sentido, derivado do latim complexus (o que é tecido junto), o pensamento complexo opera pelo processo de auto-organização, que consiste na conjunção entre a microdimensão e a macrodimensão, isto é, pelo diálogo antagônico complementar entre o uno e o múltiplo (unitat multiplex).
A complexidade engloba em si a incerteza, a ordem/desordem e o reconhecimento da impossibilidade de uma onisciência, pois ela "integra o mais possível os modos simplificadores de pensar, mas recusa as consequências mutiladoras, redutoras, unidimensionais e finalmente ofuscantes de uma simplificação que se considera reflexo do que há de real na realidade". (Idem, p. 6)
Lançando mão das ideias do transdiciplinar francês Edgar Morin, essas reuniões têm proporcionado instigantes discussões entre seus integrantes, na medida em que os conhecimentos de suas áreas de estudos dialogam entre si e com as experiências de seus integrantes, possibilitando ricos instantes de reflexão. Não se trata somente de leituras, esse grupo heterogêneo procura por em prática essa contextualização multidimensional, uma vez que “o desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade, isto é, da curiosidade, da paixão, que, por sua vez, são a mola da pesquisa filosófica ou científica” (MORIN, 2002, p. 20).
Assumir que a educação do futuro deve ter como prioridade ensinar a 'ética da compreensão planetária', como reitera o quarto saber, implica entender a ética não como um conjunto de proposições abstratas, mas como atitude deliberada de todos os que acreditam, como Edgar Morin, que ainda é possível que sociedades democráticas abertas se solidarizem, mesmo que o caminho seja árduo e, por vezes, desanimador. Esses sete saberes, rubricados pelas posturas da complexidade, deverão estimular os educadores brasileiros a saírem do armário e irem à luta para garantirem às futuras gerações um mundo com mais beleza e sustentabilidade.(CARVALHO, Edgar de Assis, 2000 apud MORIN, 2002)
 

João Paulo Nascimento de Lucena

Bibliografia
1)   MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 4. ed. Porto Alegre: Sulina, 2011. 120 p.
2) MORIN, Edgar. Os sete saberes necessário à educação do futuro. Revisão técnica: Edgar de Assis Carvalho. 5. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2002. 118 p.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Encontro com a parteira D. das Dores no VII Encontro Regional de Psicologia (EREP)

Participei da atividade “Vai chamar a parteira" na ilha do Massangano - Petrolina. Esta foi proposta por mim, pois além de eu conhecer o ofício de algumas parteiras da Região Metropolitana do Recife (RMR), eu também já havia conhecido a parteira da Ilha, D. Maria das Dores, conhecida como D. das Dores, quando fui em julho. Então propus uma roda de diálogo com a parteira junto com a tentativa de trocarmos o que estava acontecendo em cada região sobre a temática da gestação e parto, seja humanizado ou (des)humanizado.

Fui à casa de D. das Dores reafirmar nosso encontro e a encontrei um pouco abatida, pois a mesma estava passando uns dias difíceis de diabetes. Perguntei se ainda assim ela gostaria que houvesse nosso encontro e, aí, ela disse que sim, se mostrando bem feliz. E, eu falei: “Então tá, espero que a senhora fique boa rapidinho e amanhã a gente se encontra. Pode ser aqui na sua varandinha mesmo?!”. Foi muito bom revê-la, dá um cheiro e um abraço bem apertado...

No dia seguinte esperava (sempre expectativas J) pouquíssimas pessoas interessadas. E, aí as mulheres foram se juntando, e, depois alguns homens. Quando vi, tinha várias pessoas interessas, e a varandinha de D. das Dores não ia ser nem de perto suficiente. Ao longo do caminho, junto com outra amiga, agora a querida mulher e mãe, Martinha da BA, fomos pensando onde faríamos a roda. E, lembramos que na frente da casa de D. das Dores tinha um pezinho de árvore que dava pra gente se acomodar debaixo dele, sentado na terra! E, foi assim que aconteceu, ela já nos esperava, bonita, um pouco mais disposta e relatou que já havia pego muitas pessoas da ilha, o mais velho deve ter mais ou menos uns 50 anos, e já pegou muitos netos e bisnetos. Mas agora as mulheres só querem ir “lá pra rua”, se referindo aos hospitais/maternidades...

Contou também que agora não tem mais força de pegar menino e que já andou muito por aí, de dia ou de madrugada, pela ilha e por várias cidades ao redor. Tiramos algumas dúvidas, perguntamos se ela dava alguma coisa pra mulher beber, o que ela podia comer na hora do parto e ela disse: “Pode beber e comer tudo” (s.i.c.), como foram seus 10 partos – 8 deles foi sua mãe que pegou, e outros dois foram “na rua”, mas também de parto normal. “Quem me operou foi Deus, nenhum médico me abriu” (s.i.c.) – quando falava da cirurgia pra não ter mais filho. A parteira D. das Dores tem uma religiosidade forte, e falava que Deus a avisa quando o parto não é pra ela fazer e quando é. “Eu sei quando um parto é pra mim fazer, se não for, eu mando pra rua. Depois cai pra cima de mim toda a responsabilidade. Faço não. Teve dois partos que a mulher teve complicação, mas elas não me disseram que no filho anterior também tinham tido. Porque se eu soubesse, eu não fazia. Mas, graças a Deus nunca morreu nenhum menino nas minhas mãos” (s.i.c.). Quando perguntaram se ela já tinha feito algum aborto, ela disse: “Deus me livre. Das minhas mãos aqui só nasce vida” (s.i.c.). Quando conversamos sobre o cuidado do umbigo do bebê, ela disse que limpava bem direitinho e este demorava 7 dias pra cair. “Hoje, demora uns 15 dias e, ainda fica feio” (s.i.c.). D. das dores trouxe também que mulher de primeiro filho é muito escandalosa, e o bebê demora mais a sair. “Nessa hora não adianta chamar marido ou dar dengo, o marido serviu pra fazer, agora é com você” (s.i.c.). E assim, impulsionava a mulher a ser mais forte. Isto mostra que em algumas localidades o parto ainda é um evento feminino.

Em contrapartida, trouxe um pouco da situação da classe média e média-alta na RMR, no qual cada vez mais, os pais participam ativamente da gestação, do parto e do cuidado com o bebê, que o evento do parto, além de ser fisiológico, cultural, psicológico, este também pode ser sexual – com a participação do pai, com a troca de carinhos, etc – parto orgástico. Também falamos das cesáreas como um procedimento cirúrgico e não como um parto. E, como isto não é bom para a formação do vínculo entre mãe e bebê; Como a informação, as pesquisas podem ajudar as mulheres a se empoderarem de seu corpo, seu desejo, junto com o companheiro, se este existir.

Contudo, não podemos ser radicais a ponto de querer convencer todas as mulheres a desejarem um parto natural e/ou normal. E, se as mulheres incorporam este desejo a sua vida, temos que ter cuidado com as expectativas, quando se pensa em um único modelo, pois complicações reais (indicativas de cesáreas) podem existir e as mães ficarem se sentindo um lixo, pois não foram capazes de parir o seu filh@ [PSICOLOGIA], e o parto também ser um evento traumático, ou seja, um parto normal anormal. Além de que a cesárea foi criada para salvar vidas quando necessária. Então, se faz válido pensar que a cesárea não foi criada para ser um procedimento de rotina de mulheres modernas que querem ser mães ou fabricas de filhos. Este foi alguns dos pontos destacados nesta roda, que fluiu de maneira gostosamente natural.
gostaria assim, de agradecer imensamente a hospitalidade e carinho de D. das Dores e, d@s erepian@s que participaram.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Anotações para o estudo de um folguedo sob a ótica da história dos conceitos

Inicialmente auto natalino, chamado presépio, os pastoris em Pernambuco aludiam ao nicho em que nascera o menino Jesus. Posteriormente convertido em peça dinâmica, seu enredo agora incluía as jornadas das pastorinhas até Belém. Entremeada por personagens bíblicos e históricos como o anjo Gabriel e o rei Herodes, a apresentação, que contava também com declamações e cantos, se desenrolava da seguinte forma:
À caminho (de Belém), Lusbel, anjo maldito, tenta seduzir a Diana, salva pelas interferências de Gabriel. Aí entram jonadas cantadas e comparecem personagens e alegorias como Herodes, Culpa, Mestra, Contra-mestra, Religião. O último ato consiste na chegada e adoração, quando as pastoras depositam oferendas diante do presépio armado no fundo do palco e, com a cena final, retornam para casa, as cortinas se fecham para se abrir novamente, com as figuras ocupando seus lugares no presépio. (ARRAIS, 1998, p.101)
Porém são as transformações ocorridas no interior dessa tradição cristã que irá caracterizá-la como uma diversão verdadeiramente pública, de pessoas que “não tinha arame nem para uma gelada” (ARRAIS, p. 102). Criticados pela Igreja, que a viam como uma prática indecente que profanizava afrontava a moral, a família e a ordem urbana, esses pastoris, praticados no Recife e, principalmente, em seus arrabaldes no período compreendido entre o início do século XX até 1910, haviam acrescentado em sua narrativa a sensualidade, a malícia e músicas tanto da moda quanto de outras de variadas origens.
Com a utilização do termo pastoril emergem três conteúdos; o primeiro é o presépio estático da tradição Cristã; o segundo seriam aqueles pastoris encenados nas residências da elite no final do século XIX, mas que já se distinguia do dos templos; e por último o Pastoril de ponta de rua, o popularizado. Essa apropriação, por sua vez, em nada alterou a vestimenta que distinguia os dois “cordões” ou “partidos”, saia curta, blusa branca e corpete azul no Cordão Azul, e corpete encarnado no Cordão Encarnado.
Pode-se dizer que a principal diferença nesse Pastoril Profano é a participação das mulheres. Segundo a revista semanal O Periquito, fonte que Raimundo Arrais problematiza em seu texto, as pastorinhas estariam ligadas ao cenário de prostituição da cidade do Recife. E isto estaria evidenciado pelos nomes adotados por essas mulheres que aludiam às grandes prostituas do Recife, sejam eles apontando defeitos - como Maria Peito Arriado -, ou mesmo como tática galanteadora, como Juju Boca de Jasmin. Suas apresentações, ainda segundo a revista e também presente nas crônicas de memorialista, como Ascenso Ferreira, consistiam em requebros e mostra gratuita de roliças pernas, acompanhadas do "assalto" do público por meio do arremate.
No entanto, a questão deve ser mais problematizada, sobretudo no que se refere à imagem dessas pastorinhas. Em primeiro lugar trata-se de uma época essencialmente machista, em que essas "rameiras" talvez não passassem do que hoje se entende por brincantes. Segundo que a adoção desses nomes no interior do Pastoril pode ser interpretada como a apropriação dinâmica característica da cultura, uma vez que essas práticas são desenvolvidas por agentes sociais que “é sendo”, ou seja, são historicizados, mudando e transformando suas experiências ao longo do tempo e em face de um novo contexto.
Tendo em mente que numa simplificação sempre se corre o risco de perder todo o encadeamento e assimilações decorrentes de uma abordagem abrangente e perspicaz, pode-se assinalar para o presente tema, contudo, que, um conceito seria aquele capaz de sintetizar e generalizar uma experiência histórica. Koselleck diz que todo conceito é sempre concomitantemente fato e indicador, ou seja, está para além do texto/contexto, pois “um conceito relaciona-se sempre àquilo que se quer compreender, sendo portanto, a relação entre o conceito e o conteúdo, a ser compreendido, ou tornado inteligível, uma relação necessariamente tensa”.
João Paulo Nascimento de Lucena
Bibliografia
Uma história dos conceitos: problemas teóricos e práticos. KOSELLECK, Reinhart. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 134-146.
ARRAIS, Raimundo Pereira Alencar. Recife, culturas e confrontos: as camadas urbanas na campanha salvacionista de 1911. EDUFRN, 1998. p. 100-114.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Da semelhança de ofícios

História é narrativa e é por meio dela e nela que o historiador lança mão para construir suas tessituras explicativas. Nesse sentido, a fabricação desse textus diz respeito a uma dinâmica que engloba os mais variados fragmentos e etapas. E é nesse processo que o seu ofício se assemelha ao do marceneiro.

Num primeiro momento, a analogia pode parecer sem nexo, visto que atuam em campos bastante distintos. No entanto, é no modus como operam que os laços se estreitam. Por marceneiro, o leitor-comum deverá entender aquele capaz de reunir e realizar vários tipos de trabalhos em madeira, e desvinculá-lo da imagem de um “quase carpinteiro”, que, aliás, é um tanto pejorativa. Acima de tudo, ele é um artista autônomo, o profissional do restauro, do envernizar, do folheado, da palhinha e do improviso. Exímio artesão no manuseio dos instrumentos de sua oficina, nenhuma madeira lhe escapa à identidade, bastando uma boa olhadela para o seu reconhecimento.
Por outro lado, tem-se o historiador, cujo livro apresenta-se como o resultado de sua prática de pesquisa, do diálogo estabelecido com suas fontes e com seus pares, das regras metodológicas às quais está submetido e da sua própria relação passado-presente. Segundo o Aurélio, “narração é o ato ou efeito de narrar, de exposição oral ou escrita de um fato; narrativa”. Porém, "um fato é como um saco - não ficará em pé até que se ponha algo dentro". (CARR, 1982, p.47.).
É a narrativa, portanto, o seu instrumento. E o corpo de suas fontes pode ser tanto material – como jornais, fotografias e documentos –, quanto imaterial – como o relato da experiência de um agente social e a memória individual ou coletiva –, assinalando que o passado se constrói – ou se restaura - no presente.

“Na sua mesa de trabalho, o historiador comporta-se como o marceneiro que nunca vai juntar dois pedaços quaisquer de madeira: ao construir um móvel, ele recolhe um pedaço com entalhes para as gavetas e um outro pedaço com pino para o forro. O todo orienta as partes.” (PROST, 2008, p. 213)
Nada de ingenuidade, pois “nem todos os fatos sobre o passado são fatos históricos, ou tratados como tal pelo historiador”. (CARR, 1982, p. 46). É pura experiência. Ele seleciona, reúne, transforma, (re)significa e constrói o corpus documental que irá compor sua estrutura narrativa, guiado a priori por suas questões e objetivos. Porém, tal pensamento pode levar a errônea conclusão determinista de que, tal como num quebra-cabeça, a história deverá ser preenchida por suas exatas peças, quando na verdade, estas peças sequer existem independentes de quem as interpreta.
Tal como a arte do verniz, na qual o marceneiro esconde falhas e confere novo brilho ao móvel, o historiador tem a capacidade – ou defeito – te tornar o passado mais opaco ou mais ilustrado.

João Paulo Nascimento de Lucena
Bibliografia

CARR, E. H. Que é história? Tradução: Lúcia Maurício de Alverga. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. 189 p.

PROST, Antoine. Doze lições sobre a história. Tradução: Guilherme João de Freitas Teixeira. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008. 287 p.