terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Violões Que Choram





Ah! plangentes violões dormentes, mornos,
Soluços ao luar, choros ao vento...
Tristes perfis, os mais vagos contornos,
Bocas murmurejantes de lamento.
Noites de além, remotas, que eu recordo,
Noites da solidão, noites remotas
Que nos azuis da Fantasia bordo,
Vou constelando de visões ignotas.
Sutis palpitações a luz da lua,
Anseio dos momentos mais saudosos,
Quando lá choram na deserta rua
As cordas vivas dos violões chorosos.
Quando os sons dos violões vão soluçando,
Quando os sons dos violões nas cordas gemem,
E vão dilacerando e deliciando,
Rasgando as almas que nas sombras tremem.
Harmonias que pungem, que laceram,
Dedos Nervosos e ágeis que percorrem
Cordas e um mundo de dolências geram,
Gemidos, prantos, que no espaço morrem...
E sons soturnos, suspiradas magoas,
Mágoas amargas e melancolias,
No sussurro monótono das águas,
Noturnamente, entre ramagens frias.
Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
Tudo nas cordas dos violões ecoa
E vibra e se contorce no ar, convulso...
Tudo na noite, tudo clama e voa
Sob a febril agitação de um pulso.
Que esses violões nevoentos e tristonhos
São ilhas de degredo atroz, funéreo,
Para onde vão, fatigadas do sonho
Almas que se abismaram no mistério.
Sons perdidos, nostálgicos, secretos,
Finas, diluídas, vaporosas brumas,
Longo desolamento dos inquietos
Navios a vagar a flor de espumas.
Oh! languidez, languidez infinita,
Nebulosas de sons e de queixumes,
Vibrado coração de ânsia esquisita
E de gritos felinos de ciúmes!
Que encantos acres nos vadios rotos
Quando em toscos violões, por lentas horas,
Vibram, com a graça virgem dos garotos,
Um concerto de lágrimas sonoras!
Quando uma voz, em trêmolos, incerta,
Palpitando no espaço, ondula, ondeia,
E o canto sobe para a flor deserta
Soturna e singular da lua cheia.
Quando as estrelas mágicas florescem,
E no silêncio astral da Imensidade
Por lagos encantados adormecem
As pálidas ninféias da Saudade!
Como me embala toda essa pungência,
Essas lacerações como me embalam,
Como abrem asas brancas de clemência
As harmonias dos Violões que falam!
Que graça ideal, amargamente triste,
Nos lânguidos bordões plangendo passa...
Quanta melancolia de anjo existe
Nas visões melodiosas dessa graça.
Que céu, que inferno, que profundo inferno,
Que ouros, que azuis, que lágrimas, que risos,
Quanto magoado sentimento eterno
Nesses ritmos trêmulos e indecisos...
Que anelos sexuais de monjas belas
Nas ciliciadas carnes tentadoras,
Vagando no recôndito das celas,
Por entre as ânsias dilaceradoras...
Quanta plebéia castidade obscura
Vegetando e morrendo sobre a lama,
Proliferando sobre a lama impura,
Como em perpétuos turbilhões de chama.
Que procissão sinistra de caveiras,
De espectros, pelas sombras mortas, mudas.
Que montanhas de dor, que cordilheiras
De agonias aspérrimas e agudas.
Véus neblinosos, longos véus de viúvas
Enclausuradas nos ferais desterros
Errando aos sóis, aos vendavais e às chuvas,
Sob abóbadas lúgubres de enterros;
Velhinhas quedas e velhinhos quedos
Cegas, cegos, velhinhas e velhinhos
Sepulcros vivos de senis segredos,
Eternamente a caminhar sozinhos;
E na expressão de quem se vai sorrindo,
Com as mãos bem juntas e com os pés bem juntos
E um lenço preto o queixo comprimindo,
Passam todos os lívidos defuntos...
E como que há histéricos espasmos
na mão que esses violões agita, largos...
E o som sombrio é feito de sarcasmos
E de Sonambulismos e letargos.
Fantasmas de galés de anos profundos
Na prisão celular atormentados,
Sentindo nos violões os velhos mundos
Da lembrança fiel de áureos passados;
Meigos perfis de tísicos dolentes
Que eu vi dentre os vilões errar gemendo,
Prostituídos de outrora, nas serpentes
Dos vícios infernais desfalecendo;
Tipos intonsos, esgrouviados, tortos,
Das luas tardas sob o beijo níveo,
Para os enterros dos seus sonhos mortos
Nas queixas dos violões buscando alivio;
Corpos frágeis, quebrados, doloridos,
Frouxos, dormentes, adormidos, langues
Na degenerescência dos vencidos
De toda a geração, todos os sangues;
Marinheiros que o mar tornou mais fortes,
Como que feitos de um poder extremo
Para vencer a convulsão das mortes,
Dos temporais o temporal supremo;
Veteranos de todas as campanhas,
Enrugados por fundas cicatrizes,
Procuram nos violões horas estranhas,
Vagos aromas, cândidos, felizes.
Ébrios antigos, vagabundos velhos,
Torvos despojos da miséria humana,
Têm nos violões secretos Evangelhos,
Toda a Bíblia fatal da dor insana.
Enxovalhados, tábidos palhaços
De carapuças, máscaras e gestos
Lentos e lassos, lúbricos, devassos,
Lembrando a florescência dos incestos;
Todas as ironias suspirantes
Que ondulam no ridículo das vidas,
Caricaturas tétricas e errantes
Dos malditos, dos réus, dos suicidas;
Toda essa labiríntica nevrose
Das virgens nos românticos enleios;
Os ocasos do Amor, toda a clorose
Que ocultamente lhes lacera os seios;
Toda a mórbida música plebéia
De requebros de faunos e ondas lascivas;
A langue, mole e morna melopéia
Das valsas alanceadas, convulsivas;
Tudo isso, num grotesco desconforme,
Em ais de dor, em contorsões de açoites,
Revive nos violões, acorda e dorme
Através do luar das meias noites!


Cruz e Sousa



segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Versos íntimos

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro.
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Recife e Olinda

O emprego do pronome na terceira pessoa se deve porque o presente texto é a minha parte de um trabalho, em dupla com Clarisse Pereira, a ser apresentado a disciplina de Pré-história II.

Dado a proximidade e intimidade, escolhemos o bairro do Recife Antigo e o sítio histórico de Olinda para preencher o requerido exercício. Tendo seu lugar muito bem marcado na história de nosso país, essas duas cidades se apresentam como irmãs, sendo Olinda a mais velha, e Recife, a mais nova. Embora se trate de um texto saudosista que tem por objetivo enternecê-las, concordamos com Gilberto Freyre quando da citação de uns versos do poeta Manuel Bandeira "duas mulheres numa: tinha o rosto gordo de frente, magro de perfil". Ora, Gilberto Freyre dirá que "Olinda é menor mas é a que insiste em ser olhada sempre de frente, como se fôsse a principal. O Recife é a maior [...] prefere ser olhada de lado. Oblìquamente [...]" (FREYRE, 1967, p. 51) (Neste sentido, veja-se foto nº 16)
Produtiva capitania que inundava o comércio transatlântico com o açúcar de seus engenhos, provenientes do interior, Pernambuco só viria conhecer o declínio econômico quando da descoberta de ouro na região central do Brasil, por volta de fins do século XVIII e início do XIX. Fundada pelo donatário da capitania de Pernambuco, Duarte Coelho, Olinda, até a invasão holandesa em 1630, foi sede do luxo e pompa dos senhores de engenho, que lá esbanjavam e refletiam o bom andamento dos negócios da produção açucareira.
Inicialmente pequeno povoado de pescadores, marinheiros e mercadores, o Recife se limitava à zona portuária, hoje Recife Antigo, território de Olinda até a Carta Régia de 19 de novembro de 1709, consequência da Guerra dos Mascates. Naturalmente beneficiada pelos arrecifes - que deriva do árabe arraçif, que significa calçada, caminho pavimentado, dique, paredão, cais etc. - "o Recife cresceria a partir das suas atividades mercantis, o seu porto lhe garantiria sua ligação com o vasto mundo, porta de saída da produção açucareira e de entrada de tantas outras mercadorias". (REZENDE, 2010, p. 25) Tendo passado por um significativo processo de urbanização quando da administração do alemão João Maurício de Nassau-Siegen, o Recife já alargara seus territórios para a Ilha de Antônio Vaz (hoje, Ilha de Santo Antônio). Lá foi erguida a Cidade Maurícia, sede do palácio de Friburgo, também conhecido como Palácio das Torres, projetado pelo irmão do pintor Frans Post, Pieter Post, a pedido de Nassau.
Neste sentido, as duas cidades são importantes sítios arqueológicos, pois as casas, as praças, os sobrados, os fortes e as igrejas assinalam o passado colonial da história de Pernambuco e o contexto socioeconômico no qual foram construídos. Esses conjuntos de edificações são cultura material a serem estudados, são vestígios da atividade humana, da experiência adquirida e aplicada, das adversidades superadas, de apropriação e de inventividade. O espaço das duas cidades se apresenta “como uma unidade estática, um conjunto de objetos e estruturas [...] um fenômeno do presente que contém no entanto o produto de atividades dinâmicas realizadas no passado”. (NEVES, 1995, p. 173)
Nossa visita a Olinda foi maravilhosa. Principalmente para João Paulo que nunca havia feito um tour pelo sítio histórico. Primeiro conhecemos o sítio a céu aberto em frente ao convento de São Francisco. Nele pudemos ver o baixo relevo, a antiga cruz, uma ruína do que parece ser um muro e as camadas estratigráficas expostas indicando que ali houvera escavações arqueológicas.  (fotos de 1 a 15) Sentimos falta de qualquer tipo de sinalizações e placas informativas que nos dissessem o que ali, provavelmente, foi encontrado e qual a datação tanto do sítio e seus vestígios, quanto das próprias ruínas expostas. Fora a placa do convento e do nome da rua, a única informação visível foi obtida com uma placa sinalizadora da estação do trenzinho do Mirabilândia, presa a um poste. Os cidadãos nos ajudaram sobremodo, pois não havia qualquer tipo de mapa que indicasse nossa localização e a dimensão de Olinda. Localizado nessa rua estreita, muito provavelmente devido à escavação, esse Convento estava fechado, a não ser por uma única janela, pela qual fotografamos o seu interior.
Continuando a subida, deparamo-nos com o Mosteiro de São Bento, cuja rua adjacente sinalizava que se tratava do ponto mais alto do sítio. Local aconchegante e de bela paisagem, tiramos inúmeras fotos sob o sol radiante que fazia e aos frescos ventos que nos chegavam. Ao longe se podia ver a cidade do Recife, seu porto, seus prédios, bem como o istmo que a ligava a sua irmã mais velha, Olinda. Imaginávamos o marco zero e sequer enxergávamos a Torre de Cristal, do artista plástica Francisco Brennand. No alto do Mosteiro também encontramos com artesãos/comerciantes com sua arte de talhar as coloridas fachadas olindenses em cascas da cajazeira. Eles também nos informaram que no Mosteiro as atividades eclesiásticas estavam na ativa. Seguimos nosso caminho, agora rumo a Rua Padre Coutinho, onde nos disseram haver ali almoço comercial.
Chegando ao Alto da Sé encontramos a tradicional feirinha de artesanato e lembretes, bem como as famosas tapioqueiras e o mercado de artesanato, que fica ao lado do Preto Velho. Essa parte do sítio dispunha de inúmeros guias que, em sua maioria (pelo que observação e conversamos), são moradores da própria cidade. Do prédio observatório tivemos uma linda paisagem do sítio e do Recife, além de gratuito o visitante pode descer pelo interior do prédio, desfrutando de uma exposição – que tudo indica ser permanente – sobre os elementos culturais característicos do carnaval de Olinda. Na famosa Igreja da Sé, túmulo do ex-arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, pode-se ver as colunas originais da construção da Igreja, datadas do século XVI.
Trata-se de um sítio histórico e arqueológico de grande potencial turístico, ainda não explorado em sua totalidade. Com o intuito de atender a demanda de “deficientes” e pessoas de idade avançada, seria interessante a locomoção gratuita pelo sítio, seja com o serviço de trenzinhos ou com a implantação de um teleférico. A política de privilegiar os moradores da própria cidade como guias deve ser incentivada, mas não pode parar por aí. Faz-se necessário que os locais estejam abertos e que o sítio se apresente como um pólo turístico diversificado, rentável tanto para os comerciantes locais, quanto no auxílio às aulas/visitação.
O bairro do Recife Antigo não se encontra em melhor situação. Sítio histórico e patrimônio cultural da Cidade, ele assinala o convívio conflitivo entre o novo e o velho, o moderno e o antigo, uso e desuso. A política exercida pela Prefeitura em tentar deslanchar de vez esta ilha histórica como pólo turístico e estender seu uso para além dos quatros dias carnavalescos revelam-se em cada rua, esquina e, sobretudo, prédios e sobrados que, utilizados para diversos fins, revelam tratamento diferenciado e um complexo jogo de interesses.
São muitas as ruas que se configuram como canteiros de obras faraônicas e as restaurações são intermináveis. Informações sobre os recursos públicos empreendidos e as placas informativas estão em letras quase ilegíveis, grafadas em enferrujada sinalizações presas nas calçadas, também em estado deplorável. A total ausência de banheiros químicos reforça o aspecto de terreno baldio. Pessoas com necessidades especiais e de idade avançada, sobretudo se não tiver automóvel, não transitam pelas ruas do Recife Antigo.
A Prefeitura da Cidade do Recife deveria implementar um sistema de transporte fluvial, suscitar novos olhares, curiosidades.  Faz-se necessário que esses espaços fujam do simples restauro, que sejam reinventados e utilizados em toda a sua totalidade em prol da população do Recife e da sua educação, ambos privados quando da construção de obra-pra-turista-ver. Que sejam dinâmicos e se transformem em museus vivos de novos laços, atendendo as demandas sócio-culturais, ao invés da institucionalizada política de pão e circo, e, principalmente, que não se configure o reflexo do museu morto que é o Recife Antigo, lúgubre e estanque.
BIBLIOGRAFIA

FREYRE, Gilberto. O Recife, sim!: recife, não!. São Paulo: Arquimedes, 1967. 100p.
MELLO, José Antônio Gonsalves. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil.  4. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2010. 308 p. il.
NEVES, Eduardo Góes. Os índios antes de Cabral: arqueologia e história no Brasil. p. 173. In: LUIS, Aracy Lopes da Silva; GRUPIONI, Donizete Benzi (Org.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores do 1º e 2º graus. Brasília: MEC: MARI: UNESCO, 1995. 575p.
REZENDE, Antonio Paulo. O Recife: histórias de uma cidade. 2. ed. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2005. 207 p. il. (Coleção Malungo; v.6)
SILVA, Kalina Vanderlei. Nas solidões vastas e assustadoras: a conquista do sertão de Pernambuco pelas vilas açucareiras nos séculos XVII e XVIII. Recife: Cepe, 2010. 269 p. il.