segunda-feira, 25 de julho de 2011


Numa dessas conversas em família, minha avó me perguntou o que eu estava fazendo da vida. Quando lhe contei que havia passado no vestibular e que estava estudando história na UFPE, ela transbordou em felicidade e surpresa. Surpresa porque havia tempo mesmo que não nos víamos. Coisa de anos. E também porque esta era uma ótima notícia, o que possibilitava prolongar nossa conversa e, quem sabe, melhorar a imagem daquele garoto semi-barbudo que chegara tão atrasado com sua calça marrom rasgadas na altura dos joelhos. Mas a surpresa em si foi pelo fato de lembrar-se daquele pequeno garotinho que frequentava sua antiga casa em Dois Carneiros, que sonhava grande. Que almejava ajudar toda a família sendo um bem-sucedido, porém honesto, advogado.
Claro que eu nunca havia parado de sonhar grande. Mas não entendia porque as pessoas costumavam ligar as grandes profissões à felicidade. Não entendia mesmo. Às vezes pensava que tudo era uma questão de oferta. Só oferta. Quer dizer, a capacidade que a pessoa tem de presentear os outros e a si mesmo. O que é engraçado, porque sempre existiria uma "demanda existencial". Uma lacuna.

 - Tá gostando? - Perguntou-me minha avó.

- Eh... A universidade nunca é do jeito que a gente espera vó. Mas tou gostando sim. - respondi

Quando falei isso percebi que minha avó tateava o meu rosto com seus olhos um pouco leitosos, à procura dos meus. E acrescentou:

- O importante é fazer aquilo que a gente gosta. Mesmo que a gente seja bom, mas não gosta, não vai pra frente mesmo. Tem que gostar.

Quanta experiência! E mostra, dentre outras coisas, o quanto o conhecimento gestado na universidade, o dito acadêmico, se assemelha sobremodo ao do cotidiano, ou seja, "[...] o desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade, isto é, da curiosidade, da paixão, que, por sua vez, são a mola da pesquisa filosófica ou científica". (MORIN, 2005, p. 20)
Quer dizer, coisas assim não são difíceis de serem ouvidas. Mas a questão é que na maioria das vezes tapamos nossos ouvidos a jovens aspirantes a conselheiros. É como se não se eles tivessem crédito o suficiente. O pior; alguns repetem sem sentimento algum, parecem até ditar a tabuada. Já minha avó não, ela era vivida. Transferia sua experiência com grande eloquência. Claro que "toda experiência é intransferível, mas pode ser comunicável, sem esquecer que toda generalização é perigosa". (PEDROZA, 2009, p. 92)
A idade é assim mesmo. Chega e leva um pouquinho de tudo. No caso dela, levou um pouco da audição e visão, mas a memória... Meu amigo, minha avó tem uma memória de elefante. E, como a maioria das “pessoas elefantes”, creio eu, provavelmente Deus a presenteara com o bom pensamento. Ela tem aquele jeitinho todo especial de contar as coisas, sabe? O que me lembrou de imediato uma boa passagem sobre isso proporcionada por Maria do Socorro e Sandra Simone (2009, p. 84),

[...] o bom pensamento, dom recebido de Deus ou dos antepassados que procuram através de suas narrativas transmitir aos ouvintes, acreditando ser um meio de formar pessoas de bem capazes de enfrentar a vida.

A visão do historiador é comumente associada ao passado, o que é natural. Porém, cabe lembrar que ele não lida com um passado morto, mas, sim, vivo. A história, conforme Carr (1982, p. 65), "se constitui de um processo contínuo de interação entre o historiador e seus fatos, um diálogo interminável entre o presente e o passado." Pelo menos é isso que tenho repetido para mim constantemente.


Referências bibliográficas
CARR, E. H. Que é história? Tradução: Lúcia Maurício de Alverga. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. 189 p.

MORIN, Edgar. Os setes saberes necessários à educação do futuro. Tradução: Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. Revisão técnica: Edgar de Assis Carvalho. 5. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2005. 117 p.

PEDROZA, Rejane Guedes. Uma Visita Inusitada: Elizabeth Costello em Natal-RN In: NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes et al (Org.). O Bom Pensamento: contadores, narradores e intérpretes. Recife: Ed. Universitária UFPE, 2009. 120 p.

FIGUEIREDO, Maria do Socorro F. V.; ARAÚJO, Sandra Simone Moraes de. As Cidades e as Águas In: ______.______

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