sexta-feira, 29 de abril de 2011

Mulheres rendeiras


       Desde que assumi minha “doulísse”, tornando-me aprendiz de doula1 e de parteira, encontro mulheres grávidas, mães e aprendizes em todo o lugar aonde vou. Na minha última viagem à Florianópolis, folheando livros na livraria Nova Era, já ia partindo quando um livro me chamou de volta à estante. Puxei-o da prateleira e sorri ao ler o seu título: “Dar à Luz...Renascer”. O nome da autora? Lívia Pavitra, minha xará. Abri-o e vi um beija-flor. Na página seguinte ela falava em Santo Daime2. Foi o suficiente para eu dizer à atendente:

- Vou levar!

       Entre o natal e o ano novo passei boas horas no sofá da sacada da casinha de meu irmão, enrolada numa manta – pois o calor recifense me desacostumou ao vento frio de Floripa - saboreando os relatos e o trabalho de Pavitra.

       Nesta mesma viagem, com o livro na mochila, foi no intervalo de um trabalho espiritual do Santo Daime, no Céu do Patriarca São José, que ouvi pela primeira vez alguém afirmar com admiração e alegria: Ela é doula!
Victoria, uma espanhola que hoje mora na Associação Comunitária Céu do Patriarca São José, no norte da Ilha, não só sabia o que era uma doula, como tinha amigas doulas na Espanha e se interessava muito pelo tema. Nesta conversa boa entre comadres3 ouvi o delicioso relato de um de seus partos – Victoria é mãe de duas meninas, Luara e Aini – e tive outra boa surpresa. Paulinho, outro irmão daimista que nos acompanhava, disse-me:

- Lá na lagoa tem uma parteira!

Exclamei:

- Onde?

Ele respondeu:

- Perto da igrejinha, procura que tu acha!

E não é que eu estava hospedada justamente na Lagoa da Conceição, perto do Santuário da Igreja de Nossa Senhora da Conceição?

As sincronicidades não pararam por aí.

       Após este trabalho de Ano Novo, no dia primeiro de janeiro, ganhei uma carona até a casinha encantada onde mora meu irmão João, que me hospedava. No caminho, uma das mulheres no carro começou a contar a história de quando acompanhou o parto de uma irmã, ou seja, uma grande amiga dela. Ouvindo aquilo tudo foi a minha vez de afirmar, pensando que ela não sabia:

- Tu é doula!

Ela respondeu afirmativamente, dizendo que tinha feito o curso em Minas Gerais.
       Nos dias seguintes, os primeiros do ano de 2011, andava pelas redondezas da igrejinha de “orelhas em pé”. Aproveitava o tempo para pedir a bênção a Nossa Senhora, na gruta cheia de flores que fica aos pés da Igreja. Numa dessas voltas, resolvi perguntar à um homem que cuidava do quintal:

- O senhor conhece a parteira daqui?

Ele sorriu num gracejo e perguntou se era pra mim. Achei o tom debochado e respondi que não, que ainda não, mas que eu estava à procura dela, e me afastei.
Continuei subindo na direção da casa e perguntei ao segundo homem que me apareceu:

- Conheces a parteira daqui?

Ele coçou a cabeça e exclamou no melhor sotaque manézinho4:

- Parteira...! Não sei dizê, não! Minha tia que mora ali em cima deve saber! Antigamente tinha muita!

Agradeci, mais satisfeita. Tinha dado minha busca por encerrada naquele dia.
No dia seguinte, vinha eu subindo a rua, na volta pra casa, quando vi uma senhorinha descendo com cara de quem ia à missa. Perguntei a ela:

- A Senhora conhece a parteira daqui?

- Parteira? Porque qués sabê?

Sorri, e disse:

- Eu quero conhecê-la.

Nisso ela abriu um sorriso asa de borboleta e falou:

- Sou eu! Eu era parteira, mas não sou mais não. Agora estou indo à missa, amanhã tu passa ali na minha casa!

Seu nome é Dona Maria, e sua casa, acreditem, fica bem ao lado da casinha onde eu estava, apenas o jardim separava as duas. Meu próximo encontro com Dona Maria fica para a próxima postagem.

Lívia Mello da Silveira
Integrante do Grupo de Pesquisa 9 Luas

Notas:

1. Doula é uma palavra de origem grega, que significa serva. As doulas são, portanto, mulheres que servem outra mulher durante o parto. Há pouco tempo, a palavra doula passou a ser conhecida como a mulher treinada para oferecer apoio físico, emocional e informacional à mulher e sua família durante o trabalho de parto, parto e pós-parto. (Fonte: A Doula no Parto, Fadynha, 2003).

2. A doutrina do Santo Daime foi fundada em 1930, em Rio Branco-Acre, por Raimundo Irineu Serra após um longo período de iniciação com a ayahuasca, na selva fronteiriça do Brasil com o Peru, onde a bebida era utilizada em rituais mágico-religiosos por grupos indígenas, desde tempos imemoriais. (Fonte: História do Povo Juramidam; introdução à cultura do Santo Daime, FERNANDES, 1986)

3. Comadres foi aqui utilizado no mesmo sentido que Clarissa Pinkola Estés atribui ao termo, no seu livro ‘A Ciranda das Mulheres Sábias’. Segundo Clarissa, em espanhol esse termo significa algo semelhante a “eu sou sua mãe e ao mesmo tempo você é minha mãe”. É uma palavra usada para descrever a relação íntima entre mulheres que cuidam uma da outra, de uma forma na qual a alma está sempre incluída; às vezes ela é o assunto da conversa, e às vezes é com ela diretamente que se fala. (2007)

4. Manézinho é a forma carinhosa de se referir aos moradores nascidos e criados na Ilha de Santa Catarina, cuja colonização foi essencialmente açoriana. Eles têm sotaque e dizeres típicos, como “segue reto toda vida”, entre outros.

 

Um comentário:

  1. Um relato que consegue ao mesmo tempo ser simples, rico e bonito.
    Parabêns

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